o rapaz marombado que após seu treino come a banana vinda da bananeira pela qual o agricultor que a cultivou nutria enorme afeição chegando a manter frequentes relações sexuais com o caule suculento da planta nos dias mais quentes de verão OU a água acumulada na pia que goteja devagar nas ruínas do imóvel abandonado onde se desenvolve a larva do aedes aegypti que um dia transmitirá dengue ao deputado evangélico cuja ausência no plenário no dia da votação faz com que seja aprovado o projeto de lei que descriminaliza o aborto?

o manto vermelho com o qual o guerreiro tupinambá se paramenta num ritual antropofágico tem o mesmo número de penas de um guará fêmea em idade adulta que passa seus dias sobre as árvores do mangue construindo o ninho que abrigará seus ovos OU a escavação feita por uma equipe de paleontólogos em 7048 ao encontrar fragmentos de um metatarso trincado pelo homem que outrora chutou furiosamente a máquina de refrigerante do metrô quando esta lhe engoliu o troco?

as ranhuras do pneu do chevette que deixam marcas no ponto exato do trecho da estrada por onde um dia o visconde de pirajá e sua tropa desceram de seus cavalos em direção ao vale para buscar água no regato avistado por entre a vegetação OU o brilho da faca ao sol chamando a atenção do jovem em cujo nariz eclode a acne provocada pela barra de chocolate branco e castanhas justamente no dia de seu primeiro encontro deixando-o consternado a ponto de cogitar o suicídio?

a luz neon da fachada do hotel no centro da cidade que azula o interior do quarto onde se hospeda o corretor de seguros que ao despejar o que restava do pino sobre o prato bate uma carreira graúda e se levanta no afã de buscar o celular para ligar novamente para o traficante local OU adentrar a mão no vaso de argila ainda em formação que gira no torno e absorver a umidade do ambiente como fizeram nos mares primitivos as primeiras formas de vida na terra?

a meditação na tentativa de superar os calos mentais que assolam minha paz como naquele em que substituo a palavra 'professorinha' na canção de ataulfo por 'que saudade da coqueteleira' toda vez em que me deparo com o chacoalhar de um drink sendo preparado no referido objeto OU o percurso da gota de vapor condensado que escorre no vidro da sauna em trajeto similar ao que fez a tinta preta sobre o pancake na têmpora do ator em Morte em Veneza?

a fina camada que separa o ciano do incolor no frasco da solução bifásica que de imediato me faz recordar um ponto específico na curvatura da terra de onde um satélite pôde testemunhar há pouco os efeitos das ondas gravitacionais prenunciadas por einstein OU a ira ao ouvir a musiquinha do call center da net na esperança de que se restabeleça o sinal, depois de tentar pegar no sono por horas até que se declara vencida pela insônia que a leva a zapear vagamente pelos canais de tv por assinatura à procura de algo que lhe prenda a atenção?

o quase imperceptível peso da capa dura do dicionário durante a procura de um verbete que sacie meu ímpeto de explodir em seguidas voltas no quarteirão aos berros OU o aroma do ramo de tília em infusão na porcelana pintada por minha bisavó em ocasião de sua visita à campos dos goytacazes, quando a chuva intensa que ali precipitava a permitiu liberar, sem que fossem percebidos, discretos gases intestinais na presença do primo alberto?

a lembrança do torpor que me causa estar diante do ângulo obtuso formado pelo encontro da parte posterior de seu joelho e coxa esquerda onde repousa um algarismo romano tatuado OU o som do ventilador girando lentamente numa tarde abafada de fevereiro em singular contraponto ao ruído provocado pelas palavras de ordem vindas da manifestação contra o aumento da passagem que se aproxima em dinâmica crescente quando desce a consolação?